Françoise Lalande

Françoise Lalande



Françoise Lalande entra no grande cômodo da sala na qual ela tem o costume de relaxar diante da chaminé, ao som do fogo crepitante, com o calor soprando em seu rosto na noite fria de inverno. Mas nesse sonho, ela me vê queimar todos os meus livros, um após o outro. O que você está fazendo, camarada? Você ficou louco? Eu não a respondi nada, queimando mecanicamente todos os meus males. No fundo, eu sonhava que ela tentava me impedir de continuar, mas eu só fiquei mudo, em silêncio, taciturno, triste, fechado, incapaz de pronunciar uma palavra, incapaz de oferecer uma expressão no meu rosto pálido. Eu compreendia o silêncio inquieto dela. Em Almansor, de Heinrich Heine, é Hassan quem diz: "Onde os livros são queimados, os homens também são queimados (Dort wo man Bücher verbrennt, verbrennt man auch am Ende Menschen), referindo-se à queima de Córdoba. Os livros de Heine foram queimados pelos nazistas em 1933.

Evidentemente, eu só queimava páginas em branco, sem palavras, em uma lareira contemporânea, feitas com madeira de chifre de veado. Os lustres também eram de madeira de veado, lavados com sabão preto. Era uma cena psicomágica. Eu queria colocar Françoise Lalande, nascida em Libramonte (cerca de sessenta quilômetros da casa dos Rimbaud-Cuif), escritora ardenesa, então autora da admirável e impetuosa Madame Rimbaud em situação de uma cena de seu livro. Ela, no papel de Vitalie Rimbaud e eu (muito modestamente, por sinal) no papel de Arthur, que queima seus escritos. Mas por que raios você quer reproduzir essa cena, Patrick Lowie? Você causou em mim um sentimento peculiar, até mesmo terrível. Eu acreditei que tinha sucumbido. Como se estivesse passando por um pesadelo para alcançar o sonho lúcido. Todos lutaremos em uma sala vazia entre integração e desintegração. Entre a vida e a morte. Entre a criação e a submissão. Quando entrei na sala, não restava mais nada, nem eu, nem Rimbaud, nem Germain Nouveau, nem sedução, nada, nada... Apenas a pequena bola branca que se aproximava para me atrapalhar. Pesadelo Recorrente.

Expliquei-lhe que eu também senti uma sensação especial, como uma cura de uma ferida velha, com este pequeno jogo de atuação, que ouvi uma pequena voz cantar na minha orelha. Poetas, vocês são seres impossíveis ! O que podemos fazer? Tudo. Ela começa a gargalhar. Nós atraímos nossos personagens e criamos nossas histórias. Estatisticamente falando, quem poderia ter imaginado que eu poderia conhecê-la, querida Françoise, em Lisboa, em Rabat e em Marraquexe? O mundo é feito de encontros perigosos? Ou todos nós somos dotados de uma energia que experimenta a necessidade de se conhecer e se reconhecer? Para forçar os destinos? Ela sai do cômodo e dá de cara com Isabella, que diz a ela: Mãe, peço desculpa pelo trabalho que estou lhe dando. Françoise Lalande se vira e me olha pretrificada.


Veja o site do editor : Luce Wilquin

Tradução : Marcelo Favaretto