Patrick Lowie

Patrick Lowie



        Gesticulando no cais, juba ao vento, um homem parece gritar para o mar. O momento é pasoliniano. Os ragazzi se jogando na praia, panturrilhas salientes, dorsos arredondados, canivetes prontos para cortar o sol do meio dia. O vento carrega as palavras que o homem joga nas ondas. Deitado, hipnose de Helios, eu deslizo grãos de areia pra dentro do meu umbigo, sobre minhas clavículas. Gritos do excêntrico me chegam só como um quarteto de vogais "A I O I". Meu amante acaricia meu ombro avermelhado pelo sol. Em fileiras apertadas, os ragazzi avançam em direção à beira-mar e rodeiam o poeta.
        O momento pasoliniano era apenas a isca. O fantasma de Pier Paolo Pasolini não assombra a praia. O homem idoso que levanta a cabeça para os garotos tem o rosto, os gestos, a grandeza de Federico Fellini. Pragmático, meu amigo defende a hipótese de um sosia. Fellinianamente, eu apoio a volta post morten do cineasta para gravar um filme póstumo. Aos ragazzi de punhos nervosos, aos pupilas afiadas como como foices, ele joga o mesmo four de ases de vogais "A I O I". Os fantasmas perderiam o uso de consoantes? Tirando um caderninho do bolso de sua jaqueta, ele rabiscou um retrato que segurou como um espelho. O mais jovem dos bandidos com riso psicótico solta "Eu conheço a pessoa que você está procurando. É Patrick Lowie. "
        Com estupor, eu mordo o dedo indicador que meu amante passeia sobre meus lábios. Na posição de lótus mental para aguçar a senhorita Telepatia, eu tento entrar em sintonia com o espírito de Patrick. Pragmático, meu amor tecla no seu celular, manda algumas frases por e-mail.
        Preparação para o combate na praia no momento feliniano ... O maestro atribui um dos dois papéis principais para o mais forte dos jovens, droga não ter uma atriz divina na mão, pede por Anna Magnani, Giulietta Masina, Anita Ekberg .... Dove è Claudia Cardinale ? Seu dedo indicador está apontando para nós. Ostentando uma expressão viril, uma atitude esquerda, meu namorado improvisa rapidamente uma louca sibilante. Bingo, o roteiro tem sucesso. Fellini o descarta do casting, vem pra cima de mim, furioso por ter uma desconhecida falando uma vacilante italiano.
        Não há necessidade de roteiro professa Fellini junto ao Actors Studio. O sol me peroxida a dicção. A lona me mergulha num oceano de angústia. Eu, para quem ter filhos seria um pesadelo, encarnei a mulher que diz ao namorado que está grávida. Meu caipira se deixa levar por uma raiva homérica, enche minha barriga de socos gritando "uma criança, nunca." Fulminante, ele discorre uma lista de pais compulsórios, com ele no topo, seguido por uma dezena de nomes. "Um pirralho saido das tuas entranhas, mas que não será meu? Que ele volte para o nada. "
        Fellini filma sem filmar. Seriam os olhos dos mortos equipados com câmeras embutidas? Eu tento atuar mal para ser demitida, aguardo a liberação, sussurro a palavra mágica "Cinecitta". Mas nada acontece. O cabelo do diretor deixa o branco por um verde esmeralda. Proponho um remake de A Cidade das Mulheres, falo em sussurros seu nome, seu sobrenome, Patrick Lowie, o mantra repetido em cachos de fortuna, barca proustiana.
        Fellini exulta.
        Na ponta da praia, você aparece, o rosto escondido sob uma máscara veneziana, uma bandeira vermelha circulando acima da cabeça. O momento é viscontiano. Novo Garibaldi do século XXI, você volta do front, os bolsos cheios peiote sagrado. Nas mãos de Federico Fellini, você deposita um esotérico código maia. Em seu cabelo desgrenhado, eu passo a mão cantarolando "Histoire de Melody Nelson". De audácia em audácia, atrevo-me, sugerindo a Fellini uma continuação do seu Satyricon.
        Ruídos de vidro rasgam a hora meridiana. Aprendizes de mafiosos, os ragazzi quebram com barras de ferro as janelas dos carros estacionados ao longo de uma estrada de terra.
        Acenando sua mão em despedida, Fellini dá uma missão final a Patrick Lowie: rodar num exagerado claro-escuro um filme sobre Caravaggio, um retrato onírico da Itália do Renascimento até hoje.
        Removendo tua máscara, eu a jogo no mar.
       Em tua iris absinto, teu olhar ausente, vejo dançar Alice de Lewis Carroll, a viagem baby doll à Marrakech, eu me anamórfoso sob o sol turquesa, uma raspa de incesto na fenda dos lábios.
        Espírito em fuga, explorador de atóis, Patrick Lowie atua para derrotar seu estado civil. "Em uma carta, meu nome é Bowie." Cantarolando "Bonito sim como Bowie", eu me adjaniso o tempo de um clipe marítimo antes de pegar com o pé das ondas o código maia que Fellini nos deixou.

Véronique Bergen
Traduçao: Dédé Ribeiro  (facebook)


Patrick Lowie vu par Raphaël Kettani
Portrait inspiré de Patrick Lowie, réalisé par Raphaël Kettani

Patrick Lowie, né à Bruxelles le 21 juin 1964, est un écrivain, éditeur et metteur en scène belge. Mais il est surtout conteur de rêves. En janvier 2016, Frédéric Vignale lui demande d'écrire des chroniques pour son webzine parisien Le Mague. Il écrit et publie le premier portrait, celui de David Giannoni, le 13 janvier 2016. Depuis, il publie une moyenne de 4 portraits par mois.


"Pour moi, s'intéresser aux rêves, c’était une manière de libérer mon imagination, de sortir des schémas qui prévalaient en 2016 : ignorance, violence, vide, coupeurs de têtes, politiques moribondes, chasseurs de Pokemon. Un jour, alors que j’étais fauché, un magazine parisien m’a proposé de rédiger des chroniques sans être rémunéré. C’était une idée géniale. Il faut dire qu’à l’époque j'étais baigné dans les rêves, je lisais les dictionnaires des rêves mais je les trouvais mal écrits et terriblement déprimants, c'était l'époque où j'écrivais le dictionnaire des rêves de Mapuetos. J'ai donc décidé d'écrire des portraits oniriques pour ce magazine. J’ai essayé d’y introduire ma sensibilité, mon goût pour la poésie, le cinéma, les voyages, la vie et garder ma sensibilité. Mais, à l’origine, je n’étais pas programmé pour devenir conteur de rêves. Les premiers portraits ont eu un succès relatif. Mais au fur et à mesure, tout s'est emballé. Aujourd'hui, je suis le conteur de rêves le plus lu au monde."
#retourverslefutur  #2020

(statut publié sur Facebook par Patrick Lowie le 4 août 2016)