Claudio Bernardo

Claudio Bernardo


Eu tinha acabado de tatuar o tarot no antebraço esquerdo. A carta do sol. Eu estava em um terraço sob a luz de Fortaleza, com o loiro do sol. Tinha acabado de ver o Forte Schoonenborch e acabado de rever Bijan dançando Chtchelkountchik de Tchaikovsky, em Nova York. Tudo é quase perfeito nestes imperfeitos. Eu ainda tenho duas horas e meia antes de meu encontro com o coreógrafo e dançarino Claudio Bernardo. O encontro é em uma clínica da vida e desejo lhe fazer uma única pergunta, cuja resposta seria o começo de um romance, um novo. Tudo está calmo na cidade, nada estranho para um domingo. As igrejas estão cheias. O Clube do Giovanni ainda está fechado. Sentimos as cervejas de ontem, mas vejo as sombras míticas de Mikael, Vincent, Ezra, Rafael, Calixto, Mavi, Christos, Jerome e Mimbi reencenarem o teatro imaginário de liberdades. Os corpos se balançam, balançam-se em um conformismo chocante. Envio uma mensagem de texto para uma flor não completamente desbotada ou ainda não chocada: Meu coração está vazio. Eu nunca olhei para o passado, o vejo só como uma imagem a ser destruída para oferecer um novo amanhã. Meu universo é, sem dúvida, complexo, mas eu penetrá-lo o ajuda se redescobrir. Uma flor não floresce apenas uma vez. Eu perco a noção do tempo, isso me relaxa. Na recepção da clínica tudo é rosa, de A vida em rosa até a capela do Trio Esperanza, repetindo-se como o desodorante automático de águas de rosas. Eu conheço o jovem estudante da escola Mudra, na postura dos olhos, na postura do corpo, na postura da alma. Ele repete a mim palavras, palavras, palavras. Qual é a sua única pergunta? Eu sinto o terapista. Eu sinto os anacronismos. De repente, o medo toma conta de todos nós. Sem razão, corpos invisíveis. Corações despedaçados. Pânicos translúcidos. Claudio Bernardo me disse: Patrick Lowie, eu preciso salvar um grupo de pessoas dessa clínica. O caminho será perigoso, tentaremos escolher a passagem mais fácil para todos. Junte-se ao grupo. Eu me recuso de ser um fardo na expedição sabendo que eles serão recebidos com frutas e com o amor de pessoas maravilhosas. À procura de um mundo feliz. A vida em rosa vai embora e tudo fica branco na clínica real. Uma jovem Potiguara toda vestida de vermelho com um guarda-sol vermelho na ponta dos dedos, protegendo sua cabeça e ombros, pede-me para ser reconhecidda. Eu sinto seu corpo sensível, seu olhar poético. Quando eu falo, ela está atenta e contemplativa. A arte de viver impregnada com lentidão. Equilíbrio entre paz e inércia. Eu me pergunto se Claudio Bernardo não seria também um Potiguaras. Ele repara e me diz sim, não, sim, não, sim, não... nós permanecemos sempre o que nossa terra um dia foi. Qual era a sua única pergunta? A jovem nos observa e diz: Eu sei qual é a pergunta: você dança desde os quinze anos, você já liberou as essências dos mitos, você as libertou de seus corpos?

Quem é Claudio Bernardo ?
Claudio Bernardo, coreógrafo brasileiro, nascido em Fortaleza, comemora 30 anos de carreira na Bélgica com sua companhia, “As palavras”. Eu venho de Fortaleza, no Ceará, de uma família simples que tinha grande prazer em participar de danças de salão. Quando fui estudar dança, eles me ajudaram bastante. Fui para São Paulo para trabalhar com o Ballet Stagium, depois trabalhei com o Victor Navarro e depois me inscrevi para a escola Mudra, de Maurice Béjart, onde fui aceito e onde criei minha primeira coreografia.


Crédito de foto :
Descobrir on-line : http://aspalavras.org/

Tradução : Marcelo Favaretto


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