Virgínia Rodrigues

Virgínia Rodrigues



Lembre-se, Mapuetos é uma cidade que não existe em um país que não existe. O poeta Marceau Ivréa, até então desconhecido e encontrado morto dentro de uma prisão em Bruxelas que falou dela pela primeira vez em seus escritos poéticos. Sabemos que Mapuetos é um lugar misterioso com espíritos sobrenaturais, sabemos que lá tem um vulcão que cospe palavras chamado Imyriacht, mas não sabemos muita coisa mais. Eu que encontrei esses escritos poéticos e me permiti organizá-los (ou desorganizá-los) para criar uma obra completa e tentar desvendar os vários enigmas de Mapuetos. É um fato: Eu tinha sonhado com Mapuetos antes de descobrir os textos Marceau Ivrea. Pensei por um momento ter sonhado com Maputo, em Moçambique, mas o e e s são essenciais. Era Mapuetos. Digo tudo isso porque Mapuetos pertence a vários horizontes do mundo. Você sabe, esses horizontes imaginários que nos elevam para outras dimensões.

Porque esta introdução? disse Virginia Rodrigues. Ela tem razão, eu deveria permanecer em silêncio e me concentrar somente na minha respiração. No sonho, nós somos esculturas acastanhadas, esguias e poderosas, dignas de O Homem Caminhando de Alberto Giacometti, esticados ao extremo, elásticos apertados, os músculos em extensão. O sol é preto. Estamos determinados. Em um fio invisível entre vários mundos. À direita, um horizonte de areia, ao longe o mar, o mar sem dúvida, muita água. Eu ouço um murmúrio vago no vento sair do corpo da cantora: para nós, quando a gente sonha com praia e que tem mais areia do que a água, não é um sonho bom. Nossos corpos se esticam mais ainda. A esquerda: um enorme campo de margaridas, um infinito de cores verdes, brancas e amarelas. Acho que estamos no mundo de horizontes em distâncias iguais em todos os seus intervalos, nós somos miragens. Então Patrick Lowie, foi aqui, em outro sonho. Minha avó já estava muito doente. Ela ficava de pé, cuidando desse jardim infinito, de cada uma das flores. Ela amava seu jardim de margaridas. Eu nunca vou esquecer essa imagem, eu ainda a vejo, parada lá. No dia seguinte, eu soube de sua morte. Este campo de margaridas é o mais lindo buquê que me resta de sua vida. Nós não vamos parar aqui. Eu sinto em mim uma força se dissociar. Ela se vira e me diz: você deveria gritar, cantar, seu corpo precisa disso, ele esperou demais, você deveria cantar, dançar, ir para o palco e nunca mais parar. Expulsar seus espasmos e sobressaltos. Quando você tinha vinte anos em Roma, já tinha sido avisado: a música será o seu mundo até sua morte e mesmo além. Isso vai corrigir suas más atitudes mentais, vai liberar o seu potencial, acredite.

Os sonhos são sempre fortes, eles tem razão várias vezes, eles mexem conosco. Eles podem fazer sentido para você. Às vezes eu sonho que me beijam. Beijar é geralmente falsidade, me disse ela. Enquanto ela sopra bolhas de sabão nos tubos, eu largo: Devo confessar que você é minha cantora favorita, que sua voz me fez viver momentos únicos, que suas vibrações construiram um outro mundo em mim, você tem a voz que cura, a fonte de origem, a alma que transforma, o coração espirrando o entrelaçamento dos nossos defeitos e nossas qualidades, do nosso amor também. Devo admitir que adormeci nos braços do Amor ouvindo "Nós", e nós ficamos hipnotizados, corpos entrelaçados, atordoados pela beleza .. Depois não conheci mais o Amor. Após um longo silêncio, ela disse: eu nunca mais poderia me apaixonar. Onde estamos? Estamos no duplo caráter: humano e sobrenatural. Sempre esticado, mala rosa e fina na ponta dos dedos, eu abro-a e pego meu tarot, misturo as cartas com cuidado, observo o horizonte das as margaridas em flor depois o horizonte da praia, que agora tem mais água do que a areia, o sonho se torna bom.

Tiro três cartas: Virginia Rodrigues, você é um artista excepcional, as três mostram três eventos essenciais que vão acontecer: o cofre indica um sucesso ainda maior, algo que você não imagina ainda agora; o sol indica o sucesso total, e a Dama de Copas representa você. Vamos mesclar todos esses horizontes, fazer sincretismo neste exato momento, vamos oferecer a nós mesmos um novo horizonte. E foi cantando Reino de Daomé, que a cantora brasileira, nascida em Salvador da Bahia, que eu poderia ter cruzado em 1997 com Caetano Veloso durante os ensaios do Olodum, conseguiu misturar as cores vivas, pode-se ver o olho azul sobre fundo vermelho formando uma praça com diferentes cultos, um sol amarelo surpreendido pela mudança, colunas gregas suportando o povo Amor, pirâmides aqui e ali, as rodas da fortuna, os répteis no espaço. Impossível descrever tudo. Eu grito: É Mapuetos! Esta é Mapuetos! Virginia Rodrigues gira sem parar de cantar, ela é incrivelmente bonita, elegância natural, de uma suavidade que poderia acalmar a ira do mundo. Você se tornou um escravo, ela disse. Congratulo-me, eu disse. Nossos corpos voltam às formas normais e nos dirigimos para Mapuetos. Devo abrir minha barriga e construir uma casa para você? disse uma mulher no caminho. Todos os habitantes, de rostos não identificados, exaltam o alcance quase universal do humano e usam uma roupa simples, de algodão cor marfim com o número 88 em caracteres grandes ou pequenos. A liberdade de ser parte do infinito. Esta entrada alegre e comovente em Mapuetos cercados, Virginia Rodrigues e eu, de um mundo tão diferente, me traz enfim as provas da existência desta cidade que não existia em um mundo que não existia.




Tradução : Dedé Ribeiro  (facebook)