Dedé Ribeiro

Dedé Ribeiro



A folha de papel machê. Eu quero dizer, a folha em branco, virgem, a folha era imensa. No sonho, essa folha parecia ser maior que a peça, a menos que fosse aquela mesma que se repetia durante uma viagem surrealista que havia começado algumas horas mais cedo nas ruas da bela Porto Alegre, no sul do Brasil. Desde que comecei a escrever esses retratos oníricos, tive a impressão de que as personalidades esboçadas esperam pacientemente antes de me revelar um sonho digno de mim, digno de Mapuetos, essa cidade que não existe em um mundo que não existe, digno do melhor invisível. Eu cruzei com Dedé Ribeiro, produtora que administra e planifica espaços e políticas culturais na cidade. Nos cruzamos no Teatro Bruno Kiefer, eu saía do musical Encanto Zumbi, do excelente Gil Collares. Ela saía do cinema, como em um velho filme de Godard mas com toques do Exit Film de Brad Mehldau. Trocamos algumas palavras e ela me disse: Vem Patrick Lowie, eu vou te mostrar uma coisa. Você vai ver, a amizade é um amor que nunca morre.  (1)

Eu pensei sinceramente que ela queria produzir outra vez a minha peça O Trampolim. Ela me olha com seu sorriso habitual e me diz: não, não é isso. Subimos a Rua dos Andradas e deixamos nossos corpos seguirem instintivamente até a rua Tuyuty. Ela me fava da Orquestra Sanfônica de Pato Branco, eu lhe falava do escritor e cantor Vitor Ramil. Compartilhamentos, trocas. A cidade me envelopa de novo e eu ouço um suave assobio desse amor eterno, a amizade, que sussurra. Foi no mês que vem, pensei desajeitadamente. Pensando assim, que o mês que viria seria sobretudo meu. Como se um dia o passado poderá se transformar em futuro. Nas ruas, nada mudou, como num sonho. Todos lá, idênticos, como notas assimétricas. Atravessamos. O carro preto do Google Street View nos filma com seu olho vicioso. Cruzamos por homens de sunga na beira de uma piscina que diziam monólogos: Eu vou morrer! Sébastien!, entramos num prédio que eu não conhecia. Último andar. Apartamento luxuoso e grande, vista para a Cidade Baixa, reproduções de mantras emoldurados nas paredes, um cheiro de pão e queijo. A folha em branco, agora amarelada, estava sobre a mesa de vidro fumê. Eu observo Dedé Ribeiro desenhar uma cidade, perfeitamente detalhada, com tudo, até os mundos públicos. O homem não é a alma da cidade desconhecida, neste mundo sem sombra. Na hora de terminar o aeroporto (mas seria necessário um aeroporto?), nós entramos no desenho. Entramos no antro da cidade, e retomamos nossos corpos, caminhamos, caminhamos em Mapuetos até a exaustão. Atingido o fim de uma rua sem fim, mais nada, ela não tinha terminado o mapa. Jatos de lava respingando sobre nós, é o vulcão Imyriacht que rumina. Nós saímos do desenho, eu tenho que comprar outros lápis de cor, ela disse.

(1) Mario Quintana




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Traduçao: Dédé Ribeiro  (facebook)