Estou sentado de pés
cruzados (É inútil tentar convencer um interlocutor
exibindo essa postura) entre a coluna dórica canelada
do peristilo da Igreja Saint-Sulpice, em Paris e a
estátua de St. Paul, enquanto aguardo um milagre,
aborrecido. Um pombo acaba de me bombardear, não me
mexo. E se for esse
o milagre! pensei. Mesmo que eu não fume
mais, acendei um cigarro. Mesmo que eu não beba mais,
acabo de abrir uma garrafa de vinho. Mesmo que eu não
coma mais carne, acabo de comprar um cheeseburger.
Mesmo que eu não ame mais... não, o amor não pode ser
comprado. Em suma, tudo vai mal. Chove em Paris, os
atentados, as manifestações, o futebol, tudo isso me
estressa. Sim, eu assumo o amálgama. Eu adormeço
quando de repente três pessoas encapuzadas gritar
comigo, me pegam pelas mãos e pés e me jogam em uma
van CGT. Dia ruim. O golpe na cabeça não era
necessário. Envolto em um tapete do Irã, embalado em
tecidos de Christian Lacroix fabricados na China, eu
acordo e eu ouço meus sequestradores conversar sobre o
meu peso, minha altura. Eu reconheço a voz de um
deles, um bigodudo conhecido em Paris. O que me
tranquilizou. Eles me levam para o sexto andar de um
prédio sem elevador. Chegados na câmara de tortura,
eles não tinham mais fôlego, um dos três bate a cabeça
contra uma viga e isso me fez sorrir. Eles me
colocaram sobre uma mesa e me desembalaram. O segundo
homem tirou o capuz, eu o conhecia mas não conseguia
mais fazer uma conexão com a realidade. O terceiro
homem era uma mulher: Juliette Savaëte, pintora e
artista visual. Senhor
Patrick Lowie, disse ela, nós
o sequestramos. Trata-se de uma reapropriação
artística.Eu vou sulcar o seu corpo como se sulca o
mundo invisível. Achei no princípio que seu
rosto estava tatuado mas era um jogo de sombras que
provocava essas marcas labirínticas, o efeito era
magistral. A artista me observa e enquanto os dois
homens fingem que devem me amarrar bem, me deixo
despir tranquilamente. O
título do meu livro será Desenhos Nômades, e com
você será Desenho sobre Nômade. Tenho
de guardar essa promessa. Neste sonho, em uma
fração de segundo nós estávamos na floresta de
Brahmaputra, o terceiro homem era então Kasim Sheikh,
chefe do Charaidew que nos guia, todos nus, exceto
Juliette Savaëte que está de vestido branco, cabelos
longos escorridos. Luz intensa, nossos corpos frios se
desenham, invasão de padrões de desenho nômades em
nossos corpos da cabeça aos pés cruzados. Passando a
mão translúcida no seu rosto, a fumaça sai de suas
narinas, da boca, Juliette tomou a cabeça da procissão
composta de madonas, dançarinas, pensadoras e outras
personagens de sua criação em um caminho que nos leva
a esse horizonte
que sublinha o infinito.