Nothing
in this book is true, I made it all up. [1]
Isso é mais ou menos sobre o que eu podia escrever sobre
os retratos quando nós publicarmos o livro. Eu tento não
me esquecer de que nada é real nessas curtas histórias
humanas. Estou sentado na beira de uma cama de madeira
com um dossel, do hotel
Castelo,
em Canoas, uma pequena cidade próxima de Porto Alegre,
no sul do Brasil. José Alessandro, um comediante em uma
de minhas peças
O
Trampolim que marcou um encontro comigo nessa
cidade, em sua cidade natal, insistente ao telefone:
mas, acima de tudo, não me
faça chorar. Na peça de teatro, ele
interpretava um monólogo, o mistério de uma língua, ele
interpretava um narrador da Idade Média, ele
interpretava Jesus também. O papel de parede do quarto é
composto de botões, botões de madeira, coloridos, de
cerâmica ou poliéster. Evangélicos são vistos no
peitoril da janela. Os tempos não vão bem. O telefone
toca, como em um filme antigo, e eu saio do quarto. O
livro "Leite Derramado" de Chico Buarque e um bloco de
notas sob meus braços. Eu desço, ouço a madeira
estalando sob meus pés. Na entrada desse castelo, um
homem jovem embala a canção. Eu penso na frase lida e
sublinhada a lápis
Até
eu topar na porta de um pensamento oco, que me tragará
para as profundezas, onde costumo sonhar em
preto-e-branco [2]. O caminho se enlarguece com
meus passos e eu não tropeço. Ainda não. Lá fora, chove
como em Budapeste. Eu me sinto como um velho homem que
parece estar mal, mas eu me convenço a ficar bem. Eu vou
adiante e fico surpreso de ver um porto nessa cidade. No
fim do cais, a noite cai. Eu vejo José Alessandro
assistindo os velhos e enferrujados navios se
precipitando um sobre os outros como dominó.
Sabe,
José, eu o digo, dominó me faz pensar num shamã
fazendo uma adivinhação. Nossa sociedade passou do
acaso puro para o caso que faz dinheiro de maneira
aleatória e imprevisível. Mas se encontrar aqui não é
uma coincidência. Sem se virar, ele me disse
que a água era pura mas se tornara escura, lamacenta,
algo forte e pertubador nos atacaria.
Você
vê, ele me disse,
os
corpos ali na praia, corpos concretos como cimento. A
água estava clara antes, hoje em dia tudo está escuro,
congelado, onde encontrar força para mexer tudo
isso... Eu choro todos os dias quando me levanto.
Eu o explico que não é possível fingir a felicidade, que
ela deve ser serena, com pensamentos tranquilos e
intensa. Eu ando um pouco, os barcos se misturam...
José, por que me fez vir
aqui? Nós somos inocentes? Somos os assassinos desse
mundo? Lembre-se do monólogo....... Ofensas. Energia
negativa. A violência. As torturas. Tudo o que fazemos
para os outros se voltarem a nós, face a face » [3] O
vento se afasta. Ele me acompanha até o castelo. Até a
ponte. Uma virgem maria ilumina o caminho. Ele disse que
tinha apenas uma frase para me dizer, e ele só podia
dizê-la em sua cidade natal :
«O
Trampolim » deve tomar forma, temos que reencená-lo,
volte para cá! Eu prometo, volto ao castelo, o
jovem ainda canta, os dedos sobre o piano, sozinho, sem
impedimentos, sem espectadores, por que ele canta? Ele
mergulha em suas notas para esquecer a sombra de seus
desejos. Enquanto subimos as escadas, a sombra de uma
criança cai até lá em baixo. Eu reencontro minha cama
com dossel e acordo, a casca de nossas vidas se dissolve
no tecido impregnada como em uma esponja. O telefone
toca. Eu saio daqui, saio desse sonho.
[1] "Tudo o que você está prestes a ver e a ler é uma
fantasia, um sonho, faz-de-conta"
SEX, Madonna, Warner Books, Maverick Books, Callaway
Books
[2] Leite Derramado, Chico Buarque.
[3] O Trampolim, Patrick Lowie
Veja o site : http://www.josealessandro.com.br/
Tradução : Marcelo
Favaretto